Quando abri a porta ele me olhava, com um olhar ao mesmo
tempo curioso e assustado, rosnando para defender o território que agora
entendera como dele... Sem saber o que fazer, sorri e continuei parada na
porta, com um pouco de medo de ser mordida por ele e ao mesmo tempo encantada
com aquele bichinho abusado que mal chegara e já me impedia de entrar na minha
própria casa...
Foi uma questão de segundos, mas me lembro hoje como se
tivesse durado horas: o momento em que o vi pela primeira vez, já o considerava
o cachorro mais abusado e encantador do mundo!
Meu irmão, que encontrava-se sentado no sofá, me falou para
entrar e tratou de me apresentar ao Ubaldo, nosso novo companheiro. Tentei
fazer um carinho e ele rosnou. Fiz a fria e fui pro meu quarto: mas ele já
ocupava meu coração assim mesmo, sem pedir permissão pra entrar.
O convívio em casa foi melhorando depois de sua chegada, nos
tornamos uma família de novo, depois de anos convivendo trocando farpas. O
Ubaldo nos trouxe de volta o amor, a alegria e a paz que faltavam em nossa
casa. O apartamento de dois quartos parecia pequeno pra ele - e o era, de fato!
- mas ele fazia tudo parecer maior. Latia como gente grande, sempre no horário
da novela ou sempre quando algum vizinho abria a porta... ou ainda quando
queria dar uma voltinha lá embaixo. O apartamento não era o local adequado pra
um cachorro daquele porte, mas ele transformara nossas vidas ali dentro. Quando
tentávamos fazer um carinho, ele deitava, rolava, se entregava e logo depois
avançava de leve na nossa mão, como quem
dissesse: "Eu te amo, mas não vou deixar você me machucar!".
Completamente compreensível, depois de tudo o que ele sofreu nas ruas...
Quando ele ficou doente, descobri que eu poderia ser uma boa
mãe... foi no momento em que meu irmão se mudou e eu me vi sozinha com ele,
cuidando da minha faculdade, do meu trabalho, da doença dele e da casa. A vida
estava uma bagunça, mas eu era mais feliz ao seu lado, porque sempre que eu
chegava em casa, ele me recebia aos pulos, latindo e me recepcionando com
alegria. Não me iludo, sei que o que ele queria era descer pra fazer xixi ou
cocô, depois de ficar o dia inteiro preso em casa. Mas ainda assim, ele o fazia
e voltava correndo, porque sabia que aquele era o seu pequeno castelo e que era
muito amado ali...
Quando íamos ao veterinário, ele sempre encarava os
cachorros da rua que vinham pra cima de nós, abusados como todo cachorro de rua
e como o próprio Ubaldo o era... mas quando as sessões de quimioterapia
começaram a fazer efeito, ele já não se sentia forte o suficiente para subir a
ladeira do Loreto e eu o fazia com ele no colo, e ele não rosnava mais pra mim,
porque sabia que aquilo era para o seu bem... quando eu passava com ele no
colo, os cachorros da rua já não avançavam mais em mim, meio que se
solidarizando com o Ubaldinho... Mas a Cris nos ajudou e ele voltou a ser
aquele cachorro forte e abusado que eu conheci.
Foi uma troca injusta pra mim, mas muito feliz pra ele e
isso era o que importava pra mim: faze-lo
feliz!
Mesmo em Terê, o Ubaldo ainda era o cachorro desconfiado e
abusado de sempre (veja no vídeo como ele tratou o Bud logo no primeiro dia, rs), mas que nos devotava um amor incondicional. Com o Bud, era
um mala. Com o Ozzy, um amigo implicante. Mas tenho certeza de que ambos o
amavam como nós...
E quando o Ozzy se foi, acredito que ele tenha sido um bom
parceiro ao Bud e aos meus pais e serei eternamente grata por isso.
O Ubaldo foi um dos cães mais inteligentes que eu já
conheci. Nos entendia e nos respondia como se fosse gente. Ou ainda melhor, já
que gente é egoísta e ele só trazia alegria. Me lembro quando ainda morávamos
no apartamento, que eu estava brigando com um namorado e ele tomou as minhas
dores, me olhando com solidariedade e dando a patinha ao dito cujo como quem
diz: "Pare de fazer minha irmã sofrer!".
Ubaldo e sua patinha, sempre levantada para quem te fizesse um carinho ou demonstrasse um pouquinho de afeto... Alguns diziam que ele era feio, mas feio era os olhos de quem dizia isso.
Ubaldo era lindo! Bastava olhar nos seus olhos pra ver o quão bonito ele era:
sua beleza estava lá, no fundo dos seus olhos, nas suas atitudes e no seu
coração. Todos os cachorros são exemplos para nós, humanos. Temos muito o que
aprender com eles.
Quando fui me despedir dele, antes de vir pra cá, eu não
imaginava que aquela seria a última vez que eu o veria. Tentei abraça-lo, ele
rosnou, mostrou os dentinhos quebrados e eu dizia: "Pára que eu não sou
dentista!" Mas claro que ele não parava... será que ele sabia que aquele
seria nosso último encontro?
Ubaldo, eu te peço perdão por não ter estado com você nos
seus últimos 5 meses de vida... mas sei que você foi feliz e que o Lian e meus pais
fizeram tudo o que podiam por você. Se é
verdade o que o veterinário disse, que você queria morrer, então acredito que
agora esteja em paz.
Ao lado do Ozzy, do Argos e do Elfye, o paraíso ganhou mais
um anjo ontem. Nossos corações estão despedaçados, mas vocês nos ensinam a não
sermos egoístas, portanto seguiremos nossas vidas: faltando um pedaço, mas
tentando não sofrer. Você foi feliz em nossa casa, acredito nisso, e nos
ensinou muito mais do que gratidão.
Você mudou a nossa forma de amar e nos tornou melhores! Cada
pessoa da nossa família tem muitas histórias bonitas ao seu lado e todos nós
devemos muito a você!
Essa foto é do nosso último encontro e essa saudade que eu já sentia, agora irá morrer comigo...
Fique em paz... nós amamos você!
Lindo, Liv, lindo! Bjos, e fica bem que faz parte, viu?!
ResponderExcluirLinda homenagem, amiga... Se eu, que vi o Ubaldo uma ou duas vezes, estou aqui chorando, imagino como foi difícil pra vc escrever isso.
ResponderExcluirNão há dúvidas do quanto ele foi feliz com vocês e de que sabia como era amado.
A dor é forte, eu sei, mas aos poucos, as boas lembranças irão amenizá-la. Só nos resta esperar que do outro lado, um dia, a gente possa realmente encontrar com eles.
Bjs!